Laboratório de Manuseio Coreográfico

#IMAGINARACASAPERFEITA

anotações sobre a casa perfeita

 

Às vezes eu gosto de pensar em como eu gostaria que fosse a minha casa perfeita. Ano passado fiz uma lista que chamei de anotações sobre conforto extremo e dentre os itens, coloquei:

“Luz natural do fim da tarde entrando pelas cortinas;
Piso frio e azulejos de florzinha;
Piso de caquinho no quintal;
Cozinha com porta telada para o quintal;
Janela grande com veneziana.”

Quando imagino essas cenas e objetos que as compõem, é como se fizesse uma colagem com pedaços de lugares por onde costumava passar algum tempo quando era criança. É sempre uma composição a partir de memórias: não se trata apenas da imagem, existem as sensações que as acompanham, os gestos que as acompanham.

A cozinha com porta telada é de uma casa que eu visitava quando era bem pequena e nem me lembro o nome de todo mundo, só da Kelly. Nem lembro muito dos elementos da cozinha além dessa porta do lado esquerdo que permitia a entrada de muita luz e que dava pra um gramado onde eu corria, além disso só me recordo de uma mesa na diagonal oposta a essa porta e que uma vez comi Mucilon sentada lá. Dessa casa eu também gostava do frescor dos azulejos e das sombras que as cores amarronzadas proporcionavam. Não me lembro nunca de estar lá à noite ou de ver esse ambiente em luz artificial, e talvez seja por isso que me parece tão especial.

A janela com veneziana é do meu quarto de infância, onde dormi até os meus 18 anos. Eu gostava da experiência de acordar no sábado e olhar pro teto onde a luz do sol estaria refletida na forma de várias faixas de luz fininhas, geralmente a imagem seria acompanhada do som do meu pai lavando o carro no quintal e escutando a alguma rádio.

Penso que associar o conforto ao piso frio ou à veneziana talvez seja uma forma de tentar grudar pra sempre essas sensações da infância às coisas. Talvez numa esperança de que as coisas estejam tão vivas quanto a gente e de que elas carreguem também essas memórias.

 

 

Às vezes eu gosto de imaginar como seria a minha casa perfeita. Ela teria uma porta de entrada vermelha (minha cor favorita desde pequena); a luz do fim de tarde entraria pelas cortinas de um jeito muito bonito, tipo quando ela passa de um jeito que você consegue ver umas coisinhas no ar que eu não sei exatamente o que é mas parece um pózinho; ela teria um quintal com piso de caquinhos, igual à casa que foi da minha bisavó, e uma das formas de acesso a ele seria a porta telada da cozinha; o quarto de dormir teria uma veneziana por onde a luz do sol entraria e refletiria no teto em várias faixas fininhas que eu poderia brincar de contar. 

Eu gosto de pensar que quando eu tiver a minha casa ela vai estar acompanhada de tanta memória quanto eu.

Letícia Trovijo